22 junho 2010

Trás-os-Montes e Alto Douro

Recentemente, numa clara atitude de arrogância colonial, e à revelia das autoridades locais, a EDP abriu um estradão nas margens do Tua causando uma ferida aberta na paisagem. Foi um acto típico de quem, a 500 km de distância, trata o território como se fosse um feudo medieval ou terra colonizada onde a vontade dos nativos não conta minimamente.

A EDP, empresa (significativamente) com sede na Praça do Marquês do Pombal em Lisboa onde, além da administração, emprega largas centenas de pessoas, tem uma significativa parte da sua capacidade instalada de produção hidroeléctrica (30% do total) no Douro. Esta empresa obteve em 2007 lucros líquidos superiores a 1100 milhões de euros. Desse total, segundo o economista Eugénio Rosa, 250 milhões foram obtidos, com a conivência do Governo e da Autoridade da Concorrência, à custa de preços da energia mais elevados que noutros países da União Europeia. Ora, uma parte significativa desse dinheiro foi directamente gerado em Trás-os-Montes e Alto Douro. Quanto é que lá fica ou é lá reinvestido? Praticamente nada.

A EDP actua colonialmente em Trás-os-Montes explorando os seus recursos naturais. A energia potencial das águas dos rios trasmontanos é o equivalente ao petróleo dos árabes. Alguém imagina os Emirados sem usufruir dos lucros do seu petróleo?

Trás-os-Montes está, como diz um amigo meu, numa situação colonial ainda pior do que estavam antigamente muitos territórios africanos. É que nesses ainda se criavam, embora mal pagos, numerosos empregos. No Douro nem isso. Para todas as Barragens do Douro a EDP tem cerca de 150 funcionários na Régua e no Porto (a maioria). Trás-os-Montes é espoliado dos seus recursos sem ser devidamente compensado. Calcula-se que o valor da energia lá produzida ascende a mais de 500 milhões de euros. Toda esta riqueza devia estar a pagar o desenvolvimento regional; a pagar a renovação da Linha do Douro e a reactivação da ligação a Barca D’Alva e Salamanca; a subsidiar a promoção do enorme potencial turístico de toda a Região.

Construir uma barragem no Tua, ainda por cima uma que pouco acrescenta à capacidade produtiva de energia eléctrica, arruinando para sempre um património ferroviário único no mundo que pode ser uma incalculável mais-valia para o turismo local como complemento, por exemplo, aos cruzeiros no Douro, será um crime patrimonial e económico. Infelizmente a mesma espécie de autarcas que deixou encerrar o caminho-de-ferro trasmontano a troco de promessas vãs, prepara-se, mais uma vez, para hipotecar o futuro com a miragem de uma albufeira ou dos postos de trabalho que, dizem, serão criados. Quanto a postos de trabalho e albufeiras para ver o que fica depois da fase de construção basta visitar o Pocinho e avaliar o deprimente deserto que lá resta. A única honrosa excepção de lucidez e bom senso reside no autarca de Mirandela.

A região trasmontana para terminar com esta inaceitável situação deverá tomar o seu destino em mãos, livrar-se destes autarcas submissos aos directórios dos partidos centralistas, exigir autonomia, auto-governo, autodeterminação e exigir o Direito a Decidir sobre os seus próprios recursos. Urge matar de vez o colonialismo interno que nos atrofia. Se se mantiverem na actual apatia só poderão queixar-se de si próprios.

António Alves

12 comentários:

  1. Excelente post. Os crimes da EDP majestática não podem ficar sem resposta

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  2. O MCLT - Movimento Cívico pela Linha do Tua lançou hoje este apelo:

    O MCLT - Movimento Cívico pela Linha do Tua, apresentou aos autarcas de Alijó, Carrazeda de Ansiães, Vila Flor, Murça, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Bragança, e aos alcaides de Pedralba de la Pradería e de Puebla de Sanábria, 3 desafios específicos, dado estes 9 municípios se encontrarem unidos por uma via comum: a Linha do Tua:

    1 - Afixação de cartazes explicativos sobre as verdadeiras consequências em caso de construção da barragem do Tua;

    2 - Lançamento de um referendo regional definitivo sobre a reabertura, modernização e prolongamento da Linha do Tua, desde a estação do Tua até ao lago da Sanábria, passando pelo renovado aeroporto de Bragança e pela estação de Alta Velocidade da Puebla de Sanábria, na nova linha Madrid - Ourense - Vigo;

    3 - Reunião de todos os autarcas para discussão e assinatura de um protocolo de reabertura, modernização e prolongamento da Linha do Tua.

    Ao lançar este desafio, que o MCLT apadrinha e encoraja, estamos a desafiar o espírito de cooperação mútua em prol do desenvolvimento não apenas regional como transfronteiriço, de onde advirão ganhos significativos para ambas as regiões deprimidas dos dois países Ibéricos. Lembramos que foi igual acção enérgica por parte de uma coligação de autarquias que finalmente convenceu "Lisboa" a reabrir o troço Pocinho - Barca d'Alva na Linha do Douro, e que é a união, não a desunião, que faz forte a forte região.

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  3. A objectividade, é a imagem de marca do António Alves.

    Não quero por isso acrescentar mais nada ao meu comentário, excepto referir que o Movimento Pró Partido do Norte tem o dever de agarrar esta questão da Linha do Tua como uma das causas mais importantes pela qual lutar. Trás-os-Montes é seguramente a região do país mais flagelada pelo Centralismo. Temos de nos aproximar da Região.

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  4. Bôs dias;
    Chamo-me Daniel Conde, e sou membro do MCLT - Movimento Cívico pela Linha do Tua, e tive a iniciativa de formar e distribuir os documentos que foram enviados na passada sexta-feira aos autarcas supra citados.
    Sou totalmente a favor da Regionalização, mas não advogo uma Região Norte: são por demais evidentes as diferenças existentes entre Trás-os-Montes e Alto Douro e o Entre Douro e Minho, para além de que para a realidade trasmontana estaríamos a transferir a "metrópole" de Lisboa para o Porto, e nada mais mudaria...
    Opiniões à parte, gostaríamos que visitassem a região, andassem no comboio, e nos apoiassem a trazer de volta esta Linha que não é apenas Tua: é NOSSA!
    Um abraço trasmontano.

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  5. A minha intenção ao republicar este post (originalmente publicado no Baixa do Porto)foi chamar a atenção para não nos deixarmos focalizar exclusivamente na questão mediática do momento, as SCUTS, por muito justa que seja a luta. Convém não esquecer a diversidade do mundo acima do vale do Douro e que existem regiões e populações muito mais discriminadas e abandonadas que o litoral. Esta é uma luta diversa, local e global.

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  6. Caro Daniel Conde,

    o amigo disse: "Sou totalmente a favor da Regionalização, mas não advogo uma Região Norte. São por demais evidentes as diferenças existentes entre Trás-os-Montes e Alto Douro e o Entre Douro e Minho, para além de que para a realidade trasmontana estaríamos a transferir a "metrópole" de Lisboa para o Porto, e nada mais mudaria..."

    compreendo a sua argumentação,meu caro, mas receio que [mais uma vez] possa servir como uma luva os interesses dos anti-regionalistas.

    Se levarmos à letra as "diferenças" regionais, estaremos, dentro em breve, a discutir as diferenças individuais e teremos de criar uma região para cada família. Essa tem sido a nossa grande fragilidade: o divisionismo receoso [porém,compreensível] de futuros centrismos.

    Não creio que o Porto algum dia venha a querer copiar o centralismo da capital porque foi por demais prejudicado por ele. Não faria qualquer sentido, seria um erro tremendo para a própria cidade e para a região, que em nada beneficiariam com isso.

    O princípio homeopático da cura através do "veneno" não é viável em política. Criar pequenas e novas regiões é repetir o erro que levou ao fracasso em 1998 o referendo à Regionalização.

    Não sejamos ingénuos.

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  7. já que o tema é comboios, lembro a todos que há comboios que não passam muitas vezes; insistir em querer viajar em primeira classe quando pode já não haver mais bilhetes e, consequentemente, falhar duas vezes o mesmo comboio pode ser fatal :-)

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  8. O Antonio Alves está cheio de razão. O que estão a fazer com Trás-os-Montes é uma vergonha. A região não é compensada pela energia que produz para o país. A Iberdrola pagou 303 milhões de Euros ao Estado Português para poder construir em Trás-os Montes 4 barragens. Certamente esse dinheiro será gasto entre Lisboa e Setubal. Imaginemos se esse dinheiro ficasse em Trás-os-Montes. São 300 milhoes de Euros. Poderíamos multiplicar por 3 todo o potencial turisitico do Douro, da linha férrea. Mas enfim, somos mais uma vez roubados.
    Sou também contra a destruição do Vale do Tua para a construção de nova barragem para a EDP.
    Trás-os-montes, apesar de não ter mar, com o potencial turisitico, se fosse bem aproveitado e desenvolvido com o vinho mundialmente famoso e com o superavite energetico poderia ser rico. Mas não é. E isso não se pode aceitar de animo leve.
    Miguel Silva

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  9. Caro Rui Valente;

    Folgo sempre em travar conversa com quem defende objectivamente a Regionalização. É a falar e a expandir contactos que se conseguem cimentar causas.

    Note que no limite qualquer argumento pode ser deturpado pelo lado de lá da barricada. Lembra-se de um jocoso cartaz da campanha para o referendo sobre as regiões, que dizia "Tachos vezes 7"? Aposto que se só quisessem criar 5 ou mesmo 3 regiões o cartaz diria o mesmo, apenas mudaria o número...

    O que é facto é que o Norte nem sequer tem "pronúncia do Norte", como diz a canção: tem pronúncia de Entre Douro e Minho, e pronúncia de Trás-os-Montes e Alto Douro. Nem conheço outra região nacional onde haja tão vetusto ditado quanto um "Para lá do Marão, mandam os que lá estão!".

    Rejeito teses avançadas por quem defende uma Região Norte como a que aponta para que só assim "teremos força e dimensão". O Luxemburgo tem o tamanho de Trás-os-Montes, e tem o melhor nível de vida da Europa...

    Enfim, este tema não se esgota num comentário na Internet. Estarei sempre disponível para argumentar sobre o mesmo.

    Cumprimentos trasmontanos.

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  10. Caro Daniel Conde,

    Eu já por várias vezes me manifestei sobre este assunto. Embora seja de opinião que uma região Norte única será a melhor opção para todos, não me incomoda minimamente que Trás-os-Montes venha a constituir-se como região distinta. Aliás, sou inclusivamente adepto de um processo orgánico e evolutivo e totalmente contra a obrigatoriedade da instituição simultânea das regiões.Por exemplo, julgo que aquela região a que podemos chamar Porto - todo o distrito e o Entre-Douro-e-Vouga -, assim como o Algarve, estão prontos e devem avançar de imediato. A partir daí o processo evoluiria organicamente, sempre de acordo com a vontade das pessoas livre e democraticamente expressa. Haveria regiões concelhos que se juntariam e outros que talvez decidissem formar uma região distinta. Relembro que esta região inicial Porto, com mais de 2 milhões de habitantes, sozinha tornar-se-ia extremamente poderosa e com uma capacidade para impor a sua vontade ao todo nacional só comparável a uma do mesmo género que se formaria (que na prática já existe) em volta de Lisboa. Juntas seriam mais de metade dos portugueses a quase totalidade da economia. Regiões como Trás-os-Montes e Alto Minho, por exemplo, sozinhas, arriscam-se a ser trucidadas, por falta de massa crítica e poder económico, no jogo dos inevitáveis egoísmos. Se o Porto vos assusta assim tanto não o deixem sozinho, preocupado apenas com ele mesmo. Controlem-no, sentem-se à mesma mesa, obriguem-no a pelejar pelos vossos problemas e objectivos. Mais ainda: se entramos nos particularismos sub-regionais, eu também não vejo o Vale do Douro, umbilicalmente ligado à cidade do Porto, pelo rio que nos une e pela tradição de esta cidade ser há séculos a sua porta de entrada e saída, e também pelo sangue, porque a cidade do Porto é também uma cidade de famílias cujas origens são durienses, a ver-se de bom grado separada de uma região administrativa onde pontua a Invicta. No final talvez tivéssemos apenas Trás-os-Montes e não Trás-os-Montes e Alto Douro.

    Abraços nortistas :-)

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Caríssimos irmãos transmontanos e altodurienses, Trás-Os-Montes e Alto Douro foi uma região próspera durante milénios. A partir do início do século XX foi fortemente espoliada, abusada, explorada a todos os níveis. Trás-Os-MOntes é a região da UE onde as pessoas são mais pobres( http://economico.sapo.pt/noticias/trasosmontes-e-a-regiao-mais-pobre-da-ue_65783.html )no entanto boa parte de energia elétrica produzida em Portugal provém de Trás-Os-Montes e Alto Douro através de barragens e eólicas.
    Destroem o nosso património natural, exploram os nossos recursos a troco de mais nada que promessas.

    Basta! Os Transmontanos têm de se unir para repor a dignidade que merecem! Basta de exploração! Muito antes de existir Lisboa como capital, já Trás-Os-MOntes tinha a sua identidade.

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