19 julho 2010

DECLÍNIO: Fatalidade ou opção?

O declínio de uma região não é fatal nem irreversível.

A região de Dortmund (na Renânia do Norte-Vestfália) foi afamada até aos anos 60 por quatro actividades: minas de carvão, siderurgia, cerveja e futebol. Hoje em dia, o Borússia continua a fazer falar da cidade. O resto perdeu-se (como em toda a bacia do Ruhr) e, com ele, seiscentos mil postos de trabalho que tinham alimentado as famílias locais durante séculos. Mas a cidade tornou-se, em vinte anos, o centro de excelência da indústria seguradora alemã e especializou-se em altas tecnologias. Devemos-lhe por exemplo, a tecnologia que nos permite enviar sms à família e aos amigos.

Grande parte das regiões finlandesas eram, ainda no início dos anos 90, extremamente dependentes das indústrias tradicionais locais: madeira, papel e poucas mais. Os mercados desses produtos evaporaram-se com as transformações subsequentes à queda da URSS. Uma das empresas do sector do papel chamava-se Nokia. Em poucos anos, menos de uma década, a Nokia foi uma das empresas que conduziu, com outros actores económicos, políticos e sociais, um processo de transformação que lhe valeu a liderança mundial da telefonia móvel (39% do mercado mundial em 2008). Entre 1990 e 1995, a época da grande crise finlandesa com a perda de 17% dos postos de trabalho do país, o número de empregos nas indústrias da madeira e papel diminuiu 21%, a mesma percentagem de empregos criados na electrónica e electrotécnica.

Todas as regiões de Espanha conheceram nas últimas décadas processos de transformação profundos, com perdas imensas de substância económica e de capital humano. O interessante no caso espanhol é a sobrevivência, nalgumas regiões, de sectores tradicionais (siderurgia, por exemplo), que os fundamentalistas da inovação costumam despachar com sobranceria para as gavetas da história económica.

E haverá processo de reconversão mais radical e melhor sucedido do que o que está a passar-se todos os dias desde há duas décadas nalgumas regiões da Polónia e de outros países da Europa Central?

Bons exemplos não falham. O declínio das regiões especializadas em actividades tradicionais não é inevitável, mas, na era da mundialização, é certo se estas não forem dinâmicas.

Os custos e os benefícios da mundialização manifestam-se de forma geograficamente desequilibrada: por um lado, a forma como os sectores económicos retiram benefícios dela varia em função da sua competitividade internacional; por outro lado, a concentração geográfica das actividades e a especialização correlativa das regiões transforma as disparidades sectoriais em disparidades regionais. Certas regiões são duramente afectadas pelos ajustamentos que a mundialização engendra nalguns sectores, enquanto que outras beneficiam da expansão dos sectores implantados nelas. Os ganhos que se podem retirar do jogo das vantagens comparativas só se manifestam nas regiões dinâmicas, que, por cada emprego perdido num sector em declínio, criam um, ou muitos, em sectores beneficiários. Numa região em declínio, um emprego perdido é um emprego perdido, ponto final.

Valerá a pena compreender quais são os factores que permitiram a estas regiões adaptar-se tão bem. Vou referir três que me parecem essenciais para perceber melhor se situa o Norte de Portugal neste universo de vencedores e vencidos.

A primeira condição é a capacidade de análise, de definição e de acção estratégica. No Norte, e por enquanto, estamos dependentes nesse aspecto da clarividência do governo central, o poder único no país.

Clarividência económica do governo central é coisa que não existe, nem em aparência. O acontecimento económico do ano é a operação Vivo. Nada mais de relevante se passa, nenhuma outra ideia de futuro brota da mente dos governantes. Ora, a operação Vivo é, essencialmente, um assunto de lucros ou de ausência deles para os accionistas da PT. O desenlace da operação, por demais evidente quaisquer que sejam as birras do governo, não interessa à substância económica de Portugal (muito menos do Norte), não cria nem deixa de criar riqueza ou emprego que se veja no nosso país.

E, no entanto, precisamos de criar riqueza e emprego, dois ou três pontos percentuais de crescimento anual do PIB e pelo menos duzentos mil postos de trabalho, se quisermos regressar à prosperidade relativa dos anos da convergência. Há formas de alcançar esses objectivos, ainda que possa levar tempo. Os exemplos apontados demonstram isso mesmo. Mas do governo, nada nos vem. Não tem competência económica para tal e a verdade é que os ministros das pastas económicas se transformaram em contabilistas totalmente atarefados com a tentativa de gestão do descalabro financeiro para onde nos atiraram. Não têm tempo para mais nada senão gerir à vista o quotidiano dos reembolsos das prestações da dívida.

Quando falam em processos de inovação, ou é para os serviços ou são ridicularias de jovens aperaltados que se julgam num Syllicon Valley de Xabregas e nos aparecem com produtos giros mas inócuos em termos de criação de riqueza e de emprego que se veja. Parecem, essas versões amaricadas dos patrões espertalhaços e meios selvagens de antigamente mais os ministros que os acalentam babados, crianças a brincar às casinhas.

Não nos dizem, por exemplo (eu acho que nem sequer sabem) que a visão europeia da recuperação económica é agora baseada na vitalidade industrial (indústria e serviços à mesma). Foi preciso a crise medonha que nos assolou nos dois últimos anos para a Europa (ou parte dela) compreender a importância da solidez desse sector económico, que garante actualmente a sustentação do crescimento nos países que o acalentaram e a estagnação previsível, por muitos anos, dos que foram embalados na conversa da sociedade de serviços e não arrepiarem caminho com presteza. A nova política industrial em preparação na Comissão Europeia vai transformar essa ideia-base em acção.

O governo não sabe, ou está desatento, ou não quer, ou acha que a indústria é uma coisa suja e imprópria de gente civilizada, mas o Norte deve saber e preparar-se para construir uma estratégia industrial que lhe permita aproveitar o mais possível esse impulso que nos vai vir da Europa.

Com isto, chegamos à segunda condição: a capacidade regional. Para que uma região possa afirmar os seus interesses, há, desde logo, uma condição básica: existir. O Norte tem aí um impedimento importante. Não só não existe enquanto poder capaz de afirmar interesses específicos, como tem e terá de despender tempo e energias imensas a tentar construir uma forma política, económica e social de expressão.

Seria importante evacuar essa questão rapidamente, para se passar às coisas sérias, as que verdadeiramente podem definir um futuro para a região e para os seus habitantes. Ou seja, é urgente regionalizar e dotar a região Norte de competências reais e eficazes no domínio económico e social. Ou seja, ainda, constituir rapidamente um Partido Norte forte e capaz de forçar essa reforma política fundamental.

Enquanto a região não existir no mapa político (porque no económico, no sociológico, no cultural sempre existiu e existirá), tem de contar com o que sempre lhe valeu em momentos de adversidade e lhe garantiu (e ao país) a prosperidade durante séculos: a capacidade, a energia, o dinamismo, o talento e o empreendedorismo dos seus cidadãos, das suas associações e das suas empresas. Esta é a terceira condição, a mais importante aliás, já que condiciona, congrega e influencia as duas primeiras.

É o principal trunfo do Norte e o único neste momento, já que as outras duas ou estão em mãos alheias (a primeira) ou são por ora inexistentes (a segunda). E é isso o mais curioso e prometedor neste movimento que se esboça pela emancipação económica e social do Norte: o seu sucesso, e o do partido que o promove, dependem da capacidade em congregar esse enorme potencial humano da região em torno da uma afirmação política orientada para um futuro económico e social diferente que nos permita passar para o lado dos vencedores.

Fernando Vasquez
Jurista
Bruxelas

4 comentários:

  1. Apreciei devidamente este excelente texto, lógico e objectivo, que me suscita alguns comentários.
    São apontados,como exemplos de regiões ou países que se reconverteram com sucesso após colapso de actividades tradicionais,a Finlândia, a Alemanha e a Espanha.Implicitamente fica a sugestão que o mesmo poderia ocorrer em Portugal. Há no entanto uma grande diferença : é que Portugal é habitado por portugueses, não por finlandeses ou alemães (ou até checos, polacos, húngaros...). Acresce ainda que gerações sucessivas de portugueses estão a ser formatados, no pior sentido possivel, por um sistema educativo(?) inominável que no futuro há-de ser lembrado como um dos piores flagelos que atacou Portugal,e cujos efeitos nefastos perdurarão por muito tempo.
    O meu pessimismo é também suportado pela fraca qualidade de grande número de industriais portugueses. Os casos de sucesso são excepções. A crise que se arrasta há anos,no entanto, certamente fez sair de cena grande número dos "empresários" que os ingleses designam por cowboys, contituindo uma espécie de selecção natural. É pelo menos um aspecto positivo da crise!
    Tem razão o dr. Vasquez quando escreve que o Norte não existe. Não existe devido à conjugação de enorme quantidade de factores adversos, uns por culpa própria e outros que nos foram impostos e passivamente aceites.
    Considero este Movimento pró-Partido do Norte como a primeira tentativa válida de reacção. Por isso me tenho empenhado em colaborar dentro dos meus fracos préstimos, mas com todo o entusiasmo.Do mesmo modo vejo sempre com satisfacção o aparecimento de novas contribuições válidas para a grande luta que temos pela frente.
    Cumprimentos.

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  2. Existem certas condições que permitem arranques como os que referi - mas há muitos outros que devíamos conhecer melhor para sabermos o que temos de fazer. O nosso atraso, nos domínios que referiu e noutros, é quase congénito, é verdade, mas o Norte mostrou noutras épocas da história recente que é capaz do melhor. A indústria têxtil, hoje tao desacreditada, manteve-se na ponta do progresso durante décadas, mesmo séculos, e o Norte de Portugal mostrou que podia dar cartas.
    Já não nos lembramos, mas ainda há trinta anos tínhamos grandes industriais, grande parte dos quais seguiram o modelo económico dominante. Nao houve renovação, ou houve pouca, mas o potencial existe
    Seja como for, não há outra alternativa senao a de revitalizar a indústria e os serviços à mesma.
    Concordo consigo sobre o grande atraso educativo e cultural. A primeira coisa a regionalizar é, sem dúvida, a educação.

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  3. interessante este texto
    é mto importante trazer esta visão de fora para dentro
    parabéns e
    um abraço
    francisco vellozo ferreira

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  4. Adorava deixar o meu parecer como empresario derrotado pelo sistema, possivelmente a vossa iniciativa é louvavel, mas..... estou mais que pessimista face a tudo o que se está a passar.
    Quero deixar apenas algumas observaçoes que como Portugues e ex-empresario posto na prateleira pelo sistema, de que vi, com muita tristeza ontem o nosso Presidente da Republica pedir ao presidente de angola, que paga-se as PMEs Portuguesas pelo menos em 60 dias, quando em Portugal temos os politicos a brincar as casinhas, como referiu, pois nao se admite o que se passa nas Camaras Municipais, nos interesses instalados com os Bancos, tornando tudo isto num jogo de interesses, travando toda a economia. Penso que sabem qual o prazo medio de pagamento as Camaras Municipais, tou a falar de portugal nao de Angola, será que o Presidente de Portugal, é mesmo Portugues?.
    Possivelmente as criticas do Presidente da Camara de Faro estao bem fundamentadas, na carta aberta que escreveu ao tribunal de contas, e de facto a regionalizaçao fosse melhor, mas nao se tornarão em Megas Camaras Municipais? deixo a questao.
    So mais uma questao, para mim e acho que diz na Constituição Portuguesa que todos somos iguais perante a lei, agora tem as expçoes, que sao:
    os Governantes Centrais e Locais, a justiça toda, BOROCRATICA E CARA, so para .... nao refiro o termo, todos os funcionarios publicos, bem penso que sobram os outros, os que pagam, esses, os que produzem e criam a economia, nao contam e tornam-se muitos deles subsidio-dependentes......
    Por ultimo e peço desculpa por tudo o que falei, mas as pessoas viaveis e que poderiam tornar este Pais viavem, estao deprecivas, na prateleira, e sem futuro, pois os bancos e o sistema judicial, fez o favor de os por lá, para que tudo funciona-se correctamente para essas pessoas, mas em meu ver até um dia pois o sistema como todos os que já existiram, acabam e penso que o nosso nao falta muito.
    desculpem mas nao acredito em justiça, politica, em sistema, pois estamos, como a entrar numa selva, em que o mais forte, poderá ter algumas possiblidades de ter alguma felicidade, que.......
    desejo felicidades ao vosso projecto, se conseguirem inverter alguns destes pontos, garanto que a economia se torna viavel e assim sustentar todo o poder

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