03 novembro 2010

Política Social da Suécia (parte II)

“A Baixa do Porto” – http://www.taf.net/


“Uma melhor distribuição do rendimento e a promoção da inclusão são essenciais para a Europa encontrar o caminho para o tão desejado crescimento sustentado.”

Anthony Atkinson (Oxford University)

Nota: Este meu texto é inspirado neste autor.

Objectivo: Como conciliar a eficiência económica com a manutenção do modelo social Europeu?

Sinopse de medidas do modelo sueco de política social: menor salário compensado por maiores participações nos lucros das empresas; parte dos lucros empresariais não distribuídos são afectos a fundos de pensões e pela participação do Estado no sector empresarial; PIB definido como uma mediana e não a média de rendimentos; rendimento mínimo garantido às crianças para potenciar crescimento demográfico e redução pobreza – princípio da equidade inter-geracional -;; o que falha na Agenda de Lisboa; o Estado não deveria abdicar das participações em grandes empresas, uma vez que elas geram rendimentos para o financiamento das funções sociais.

Desenvolvimento:

i. Parte dos problemas que enfrenta a Zona Euro não deriva da falta de competitividade ou de crescimento, mas tem origens sociais. O sucesso do crescimento no pós II Guerra mundial ficou muito a dever-se ao “welfare state” e ao pleno emprego. O social e o económico estão muito interligados, mas a maior parte dos economistas esqueceu-se disso. Os temas que já estão na agenda política não têm solução sem lidar com os problemas sociais. Esta secundarização da importância dos aspectos sociais tem a ver com a insatisfação com o crescimento da economia. A questão de quem beneficia com o crescimento económico tem de ser trazida para a agenda política.

Para além disso, a zona euro tem de facto um problema de competitividade, dado que não pode usar as políticas cambial e monetárias e tem pouca margem na via orçamental.

A União Europeia deveria pensar de uma forma estratégica em relação ao futuro. Admita-se que nos próximos dez anos vamos crescer. Isto vai dar-nos recursos adicionais, que serão disputados por políticas ambientais, pelas exigências do envelhecimento ou pelo aumento dos custos na saúde. Deveria haver um enquadramento geral sobre o qual os Estados membros da UE pudessem equacionar qual o acréscimo do nível de vida que será possível oferecer no futuro. Seria bom, politicamente, para os governos, pois poderiam dizer que, face às restrições, o máximo que poderiam atribuir a uma determinada área seria, por exemplo, 0,25 pontos do crescimento futuro. Na Agenda de Lisboa isto não foi colocado. Fala de crescimento em termos gerais, mas ninguém discute quais seriam as exigências que iriam aparecer sobre os recursos futuros e como deveriam ser geridos.

Os instrumentos devem ficar com os Estados membros, mas deve haver algum pensamento estratégico sobre o desenvolvimento económico da União Europeia. É por isso que continuamos a falhar. Os Governos costumavam ter isso nos tempos em que tinham planeamento, mas nenhum país faz isso agora.

ii. Uma das vias consiste em criar Fundos de Pensões alimentados, por um lado, com uma percentagem sobre os lucros não distribuídos pelas Empresas e, por outro, com os rendimentos das participações accionistas do Estado, em alternativa à prática actual de financiamento do sistema pela venda de activos do Estado. Não há qualquer justificação para isso, pois seria aí que o Estado poderia ir buscar capital para pagar as pensões. Se o Estado mantivesse uma posição forte nas Empresas, poderia buscar parte dos lucros que estas retém para aumentar um fluxo que suportasse no longo prazo o sistema. A riqueza produzida está a ir para o restabelecimento da posição financeira dos Estados ou a ficar retida nos lucros não distribuídos. Daí a proposta inovadora, de maior participação do Estado em Empresas, como forma de conseguir canalizar fundos para pensões. Esta foi uma das respostas do modelo sueco.

Os Governos não deveriam optar por onerar mais o factor capital e têm de perceber a importância de ter participações empresariais. O Governo Sueco, por exemplo, ainda tem participações em grandes empresas, como a Ericsson. Obter dinheiro através de participações em empresas não é o mesmo que taxar o capital, que implica perda de competitividade fiscal.

As empresas deveriam também ser obrigadas a abdicar de uma parte dos lucros não distribuídos aos accionistas e canalizá-los para um Fundo de Pensões a favor dos seus trabalhadores. Os valores a afectar anualmente poderiam ser previamente definidos ou resultar de uma negociação colectiva. Se for necessário, por razões macroeconómicas, ter de se aceitar uma retracção dos salários, então os sindicatos devem aceitá-lo exigindo como contrapartida uma maior percentagem nos lucros.

Estas propostas alargam a base de financiamento dos fundos de pensões, permite aos trabalhadores apropriar-se de uma parte dos lucros gerados pelas empresas, invertendo a cada vez maior desigual distribuição de rendimentos entre o factor capital e o factor trabalho e baixa a retenção de lucros por parte das empresas, que é uma das causas para o aumento do fosso entre o rendimento nacional e o rendimento individual. Do ponto de vista orçamental, dá aos sindicatos e aos Governos uma maior flexibilidade negocial na política salarial e de rendimentos e, em anos de maior aperto orçamental, os trabalhadores poderão prescindir de aumentos ou aceitar cortes nas pensões, como contrapartida de um aumento da taxação destes lucros.

iii. A política de rendimentos tem de voltar a ser usada, tal como os alemães, que há quatro ou cinco ano que seguem este caminho com fortes pressões sobre os custos laborais, tornando-se novamente muito competitivos internacionalmente, não tendo sido acompanhados por outros países da União Europeia. Para resolver o problema da competitividade, Portugal terá de facto de colocar algumas restrições aos salários e os sindicatos têm de passar a olhar para todos os rendimentos e negociá-los em bloco, como por exemplo fizeram os sindicatos suecos, que negociaram novas formas de financiamento dos fundos de pensões. Mas a maioria dos sindicatos e trabalhadores não pensa na forma como os restantes rendimentos são distribuídos.

iv. A economia portuguesa compensa o fraco sistema social com um mercado de trabalho mais rígido. A actual pressão sobre a flexibilidade dos mercados apresenta riscos, dado que sem melhorias no sistema de Segurança Social, os avanços nesse sentido são arriscados. A actual corrente que defende uma forte flexibilização do mercado é muito pouco sofisticada. Um mercado de trabalho muito flexível mas onde há pouco investimento, quer do lado dos empregadores, quer dos empregados, não será o melhor mercado. Isso é o que está a acontecer especialmente no caso do investimento em formação empresarial. No caso de se copiar o modelo dinamarquês, sendo que o sucesso de um dado modelo depende mais da cultura e da história, mesmo que se consiga compensar a flexibilidade com melhor protecção social, isso ainda não resolve o problema do investimento empresarial e da formação profissional.

v. Segundo Anthony Atkinson, um dos contributos mais importantes e mais simples de executar para a “causa” das políticas sociais passaria por alterar a forma de apresentação dos números do crescimento económico.

Os indicadores macroeconómicos calculados e divulgados pelos organismos estatais fornecem médias aritméticas, o que significa que pode haver uma melhoria ou degradação do rendimento de um país sem que uma vasta maioria da população sinta qualquer transformação. O PIB, em vez de ser apresentado em termos médios - per capita, que mede o acréscimo médio de rendimento por pessoa – deveria passar a ser apresentado em termos medianos - que separa a metade inferior da amostra da superior, mais concretamente, 1/2 da população terá valores inferiores ou iguais à mediana e 1/2 da população terá valores superiores ou iguais à mediana - . Passaria a dar a variação que ocorre ao nível dos cidadãos que estão exactamente no meio da distribuição de rendimentos.

Esta mudança de medida teria a vantagem do discurso macroeconómico e político passar a considerar as implicações da redistribuição do rendimento. Por exemplo, na Suécia, em 2009, o rendimento mediano cresceu menos 13% do que o rendimento médio, o que é uma grande diferença e obriga as pensar nos aspectos redistributivos do rendimento.

vi. Do ponto de vista da equidade inter-geracional, é defendido o rendimento mínimo para as crianças. Na última década experimentou-se o princípio da subsidariedade na política social. Para Atkinson, cada criança deveria ter assegurado um nível mínimo de rendimentos, definido como uma percentagem da mediana de rendimento equivalente em cada Estado-Membro da UE, usando os vários instrumentos que tem, com abonos de família, créditos ou benefícios fiscais, bens em espécie – .

De acordo com um estudo de Levy, Lietz e Sycherland de 2007, se o rendimento mínimo fosse fixado em 25% do rendimento mediano nacional, a taxa de pobreza infantil baixaria para metade, na generalidade dos países da EU, com excepção de Itália e Reino Unido.

José Carlos Ferraz Alves

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