14 novembro 2011

Lisboa, terceira metrópole europeia. Ou não.

Publicado no Público.
Francisco Jaime Quesado trouxe-nos um artigo pejado de erros e omissões
No seu artigo “Um choque territorial“, publicado no Público a 27 de agosto, Francisco Jaime Quesado (FJQ) afirma que Portugal necessita duma “aposta nas cidades médias” para conseguir um país mais “plano”. Afirma também que, segundo o “novo estudo de projecções da ONU, em 2025 a Região da Grande Lisboa vai comportar 45,3 % do total da população do país”, passando de uma população “de 3,8 milhões, em 2000, para 4,5, em 2025″. A Área Metropolitana do Porto teria, em 2025, 23,9% do total da população portuguesa.
Não querendo fazer considerações de política territorial às afirmações de FJQ, prefiro concentrar-me na discussão dos números apresentados, e das denominações utilizadas. Começo pela “Grande Lisboa”, que no início do artigo também é referida como “Região da Grande Lisboa”. A “Grande Lisboa” é uma NUTS III (correspondente ao sul do distrito de Lisboa) que comportava em 2009 pouco mais do que 2 milhões de habitantes, enquanto que a “Região de Lisboa” é uma NUTS II (que existe apenas para efeitos estatísticos, e que engloba o sul do distrito de Lisboa e o norte do distrito de Setúbal), com mais de 2,8 milhões de habitantes. É coincidente em termos geográficos com a Área Metropolitana de Lisboa (AML). Conclui-se então que nunca existiu qualquer “(Região da) Grande Lisboa” com 3,8 milhões de habitantes, nem em 2000 nem agora.
Por outro lado, FJQ compara essa massa gigantesca (imaginária?) de território e população com a Área Metropolitana do Porto, essa sim concreta e facilmente quantificável: quase 1,7 milhões de habitantes em 2011, cerca de 16% da população portuguesa. O que se consegue com este jogo de números, denominações trocadas e confusão geográfica? Um engano, que procura prolongar o mito de que um terço da população portuguesa habita em Lisboa (e à volta dela). E com isso se eternizam opções de desenvolvimento erradas, com centralismos irremediavelmente desfasados da realidade.
 
A infografia que apresento foi criada expressamente para rebater esse mito. Ou melhor, rebato esse mito confirmando-o: um terço da população portuguesa mora de facto no concelho de Lisboa e à sua volta. Se repetirem o exercício (abstrato) de desenharem uma circunferência com um raio de 80 km centrada em Lisboa, encontram cerca de 3,45 milhões de pessoas, quase um terço da atual população total do país, 10,6 milhões. Mas se desenharem igual círculo à volta do Porto, encontram cerca de 3,77 milhões. Mais de um terço da população. E se o raio aumentar para os 120 km, a diferença é ainda maior: 5,29 milhões à volta do Porto (incluindo Vigo e outros concelhos galegos) e apenas 4,08 milhões à volta de Lisboa.
O que se pode concluir disto? Lisboa, enquanto aglomeração urbana (ou enquanto Área Metropolitana), constitui a maior concentração populacional do país. Quanto a isso não restam dúvidas. O Porto, enquanto região metropolitana (ou assumindo os 120 km de raio como “área de influência”), é a maior do país. E é o centro datrigésima terceira maior megarregião do mundo (que Richard Florida erroneamente apodou de Megarregião de Lisboa). A demografia diz-nos pouco do poder real das regiões, mas é clara neste aspeto: o Porto é o centro populacional do país.
Voltando ao artigo de FJQ, o autor refere, com a clareza que só os números podem dar, que essa “Grande Lisboa” concentraria em 2025 “45,3% do total da população do país, tornando-se na terceira maior capital metropolitana da União Europeia, logo a seguir a Londres e a Paris”. Após ler tal projeção, inédita para mim, tratei de procurar na internet dados que corroborassem as afirmações do autor. Encontrei de facto as World Urbanization Prospects, publicadas pela ONU. A última atualização foi feita em 2009, não se percebendo muito bem o que entende FJQ quando escreve “o novo estudo de projecções da ONU”. Um “novo estudo” com dois anos de idade. Nesse estudo Lisboa é apresentada como tendo em 2009 2,8 milhões de habitantes (a população da AML), prevendo que a população possa chegar aos 3 milhões até 2025. Percorrendo o documento percebe-se que esse crescimento, relevante, não aproxima a AML da dimensão de outras aglomerações urbanas europeias que não Paris ou Londres (Madrid, 5,8 milhões em 2009, 6,4 em 2025; Berlim, 3,4 milhões em 2009, 3,5 em 2025).
Por outro lado, quando FJQ fala da concentração de 45,3% da população portuguesa, confundiu a população total com a percentagem da população urbana a residir na zona da capital. Esse número, 45,3%, corresponderá já à percentagem da população urbana portuguesa que habita na AML. O que os estudos da ONU nos dizem é que essa percentagem, até 2025, irá descer até 41,6%. Ou seja, apesar do aumento de população estimado para a AML e da diminuição do total da população do país (de 10,6 para 10,1 milhões), o peso da AML no total da população urbana do país irá até diminuir. As conclusões de FJQ, assim sendo, perdem todo o fundamento. O que a ONU nos diz é que a população portuguesa continuará a deixar as zonas rurais, mas cada vez mais para outras concentrações urbanas, também no litoral.
Nuno Gomes Lopes, arquiteto
P.S.: descobri em http://www.apfn.com.pt/Noticias/Set2008/110908a.htm outro artigo de FJQ intitulado “Portugal (ainda) não é plano”, que está referenciado como publicado pelo Público a onze de setembro de 2008. Outro artigo? A verdade é que os artigos só não são exatamente iguais porque algumas palavras são diferentes e certas frases não existem em ambos os artigos. A única verdadeira diferença é esta: nesse primeiro artigo os dados da ONU não são relativos a 2025, mas sim a 2015.

08 novembro 2011

Gato escondido com o rabo de fora

O governo, através do chamado “Documento Verde da Reforma da Administração Local”, pretende levar a cabo um conjunto de reformas que na prática se resumem à eliminação economicista de Freguesias, à imposição de executivos mono colores nas Câmaras (acabando com a governação colegial), à atribuição de mais poderes às Câmaras Municipais e às ineficientes Comunidades Intermunicipais (filhas dilectas do actual ministro Miguel Relvas) que mais não são que uma tentativa encapotada de evitar a Regionalização Administrativa do Território.

 A justificação económica (poupança) cai pela base à mais leve análise. As juntas de freguesia têm um custo irrisório no conjunto da despesa do Estado: o poder local é responsável por apenas cerca de 8% da despesa pública – uma das percentagens mais baixas da Europa – e por 12% da dívida pública. O descalabro das contas públicas portuguesas está no Estado Central e não nas Autarquias. Isto obviamente não invalida que todo o dinheiro público deva ser gerido parcimoniosamente e que o desperdício e os abusos (empresas municipais, por exemplo) devam ser erradicados. As Câmaras Municipais e as Comunidades Intermunicipais (um órgão não eleito ao qual carece legitimidade democrática para tomar decisões que impliquem com a vida das pessoas) não devem acumular mais poder. As Autarquias são órgãos de poder local e não regional. A solução é cumprir a Constituição da República e instituir a Regionalização Administrativa do território. Instituir governos regionais eleitos democraticamente com legitimidade e meios para coordenarem as autarquias locais e implementarem políticas de desenvolvimento regional. O Estado central será assim ser liberto para aquelas que são as suas funções primordiais: representação, defesa, segurança, justiça, segurança social e governo macroeconómico.

O governo colegial das autarquias, contendo no executivo a própria oposição, não tem sido factor de bloqueio a uma boa governação, antes pelo contrário. Nem esse facto tem sido impeditivo de governos autárquicos fortes e personalizados - o caso da cidade do Porto é um exemplo paradigmático. Os concelhos portugueses, com a excepção meia dúzia, não possuem massa crítica eleitoral e social para arriscarem governos de pura maioria parlamentar. Atribuir um poder desmesurado a um só partido ou pessoa, tornará as Câmaras Municipais ainda mais permeáveis ao caciquismo autoritário. Esta é uma forma manhosa, a coberto da retórica democrática, de ampliar o feudalismo municipal. Estratégia que serve perfeitamente a manutenção do absurdo sistema centralista que nos desgoverna. O Suserano em Lisboa, magnânimo com os seus vassalos, e os 308 todo-poderosos condes e duques espalhados pelo território governando, sem visão de conjunto regional e nacional, os seus pequenos Coutos. Dividir para reinar. 

Embora nos grandes centros urbanos a discussão sobre as funções e o número de freguesias se justifique, no mundo rural e no interior este órgão de base do edifício administrativo português alcança uma dimensão simbólica e utilidade de modo nenhum negligenciáveis. A sua discussão não pode ficar pela mera intenção de reduzir e agregar cegamente. A presença das freguesias no interior rural e despovoado, além de funcionar como vector de transmissão de algum, escasso, dinheiro aos sítios mais recônditos e esquecidos pelo centro, é, ainda, o último elo de ligação ao Estado daquelas populações esquecidas. Exercem uma insubstituível e inestimável função de soberania territorial. As Juntas de Freguesia, em muitas povoações do interior, são as únicas instituições onde ainda é possível ver uma bandeira portuguesa desfraldada ao vento. Isto num país que por uma deliberada ausência de políticas de povoamento e pelo abandono sistemático da Agricultura tem vindo a ver as suas fronteiras produtivas reduzidas a uma estreita faixa litoral. Este é um problema grave que aumenta, e muito, o nosso hiato do PIB. Isto é, a diferença entre aquilo que o país poderia produzir, se todos os seus recursos fossem bem aproveitados, e aquilo que na realidade produz. 

Esta reforma é inconstitucional porque vai contra o espírito da lei fundamental. Muito mais importante que a forma da lei plasmada nos códigos é o espírito dessa lei. E esse, apesar da recentemente introduzida obrigação do referendo, determina que a Regionalização deve ser levada a cabo. Atentar contra isso, à socapa, é contrário ao espírito da lei fundamental.

Esta pseudo reforma é gato escondido com rabo de fora. O rabo é a tentativa não assumida de inviabilizar o processo de Regionalização para sempre.

 António Alves
MPN